O que é a Cadeia de Custódia?

A cadeia de custódia entrou definitivamente em evidência no cenário forense nacional a partir do sancionamento da Lei nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019, também conhecida popularmente como Pacote Anticrime, lei que modificou e introduziu diversos dispositivos na legislação penal e processual penal.

Apesar de diversos operadores do direito estarem se atentando efetivamente para isto somente agora, o princípio da cadeia de custódia é bastante consolidado sobretudo nas ciências forenses, uma vez que a cadeia de custódia assegura a idoneidade e rastreabilidade  dos vestígios, garantindo a credibilidade e robustez para a admissão e permanência da prova pericial no elenco probatório. Por meio desta, assegura-se inclusive o direito a ampla defesa e a preservação dos vestígios para elaboração de contraprova se necessário.

No cenário forense internacional a cadeia de custódia se encontra notoriamente mais madura, impactando significativamente na admissibilidade das provas periciais. No próprio julgamento emblemático do astro americano O. J. Simpson ainda na década de 90, um dos primeiros casos de tribunal a utilizar a moderna ciência forense como parte do conjunto probatório, os assistentes técnicos da parte apontaram inúmeras falhas na cadeia de custódia, comprometendo severamente a credibilidade das provas cientificas perante os jurados.

No cenário nacional, apesar de sua notória relevância, a cadeia de custódia se encontrava timidamente estabelecida na Portaria nº 82 de 16 de Julho de 2014 da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça. Sob este prisma, não resta dúvida que a sua inserção ao código de processo penal representa um marco significativo para a justiça brasileira.

Mas o que é de fato a cadeia de custódia? Para esta definição nada melhor do que transcrever o seu próprio conceito recém-publicado no código de processo penal brasileiro:

“Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Segundo Espíndula, na obra Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia de 2013, a finalidade da cadeia de custódia é: assegurar a idoneidade dos objetos e bens escolhidos pela perícia ou apreendidos pela autoridade policial, a fim de evitar qualquer tipo de dúvida quanto à sua origem e caminho percorrido durante a investigação criminal e o respectivo processo judicial.

O código de processo penal, com o advento da Lei nº 13.964, deixa ainda evidente que a cadeia de custódia ao contrário do que muitos indivíduos imaginavam não é atividade ou responsabilidade exclusiva da perícia e de seus profissionais, compreendendo todos os procedimentos desde a preservação do vestígio no local de crime até o seu armazenamento após a emissão dos laudos periciais, ou, mesmo descarte (se necessário) respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.

É prevista inclusive sanções para os indivíduos que, inadvertidamente, removerem vestígios do local de crime, podendo configurar fraude processual:

Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização.   (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Esta legislação acerca da cadeia de custódia oficializa ainda inúmeros desafios aos órgãos de perícia oficial de natureza criminal, também conhecido como institutos de criminalísticas, como criar (onde por ventura ainda não exista) as centrais de custódia dos vestígios, bem como o seu efetivo gerenciamento segundo o estado da arte, em conformidade com os dispositivos abaixo:

Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de natureza criminal.      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência, recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do vestígio.      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§2º Na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser protocoladas, consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam.      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e deverão ser registradas a data e a hora do acesso.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§4º Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da ação.    (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia, devendo nela permanecer.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Se por um lado há os desafios supramencionados para a perícia oficial, entendemos que os obstáculos para as atividades correlacionadas a perícia criminal, tais como das polícias civis e militares, por exemplo, talvez sejam ainda mais desafiadores. Isto porque observamos na prática que diversos órgãos de perícia, talvez pelo seu próprio mister ou incentivos da SENASP, buscam a certo tempo minimizar as inúmeras lacunas para a garantia da cadeia de custódia, enquanto as falhas mais graves ocorrem de forma extrínseca a perícia, desde a ausência de autoridades policiais ou seus representantes até aos procedimentos de isolamento e preservação inadequados em local de crime.

Luiz Laborda é graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2007), possui MBA em Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2010) e mestrado em Engenharia Elétrica – Área de concentração: Informática Forense e Segurança da Informação pela Universidade de Brasília – UNB (2016). É Perito Oficial Criminal do Estado de Mato Grosso desde 2011 e integrante do corpo técnico da Laborda Ventura e Peritos associados.

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