O termo degravação apesar de ser amplamente empregado e difundido no meio jurídico pode parecer um tanto quanto inadequado especialmente se considerado do ponto de vista técnico. A rigor seria o processo reverso ao da gravação, ou seja, o processo ao qual a partir de um registro questionado fosse possível extrair o cena primária conforme ilustrado na Figura 01. Sabemos que isto a rigor é fisicamente impossível, pois no processo de gravação há perdas o que impossibilita a restauração da cena primária original.
Na prática, este termo “degravação” quando empregado, muito possivelmente terá o objetivo de transferir para o papel o conteúdo (parcial ou mesmo na íntegra) de uma gravação, seja ela de áudio ou imagens (tanto para a imagem estática como a fotografia ou dinâmica como no caso dos vídeos). A degravação para fins forenses, de maneira geral, objetiva a transcrição no formato ipsis litteris ou seja fidedigna. Considere um caso hipotético de um áudio, um interlocutor pode cometer falhas de concordâncias, uso de jargões, hesitações ao falar… ter falas sobrepostas, tudo isto deverá ser registrado diante de uma degravação.
Por outro lado, uma transcrição nem sempre terá esse objetivo de transferir para o papel o conteúdo no formato ipsis litteris. Imagine uma transcrição de uma entrevista para fins acadêmicos ou mesmo jornalísticos. Pequenas hesitações, falas sobrepostas ou mesmo erros de concordâncias podem ser irrelevantes perante o conteúdo/contexto de interesse.
A degravação ainda é uma solicitação muito frequente em processos que contenham evidencias multimídias, uma vez que os processos no país ainda são predominantemente físicos, isto é, constituído por papéis, pastas e volumes. Vemos por outro lado, com o advento dos sistemas informatizados, o crescimento salutar do acesso e emprego dessas evidencias em seu formato de origem.
Por se tratar de um termo antiquado o uso do termo degravação tem sido ainda fortemente desencorajado pelos experts da área, uma vez que também pouco agrega em relação aos objetivos dos exames. Desta forma, caso o objetivo seja extrair, realçar, explicitar uma informação contida naquele registro perquirido, a solicitação de um exame de análise de conteúdo de áudio, imagem, ou vídeo apresenta-se mais adequado ao cenário atual.
Para a análise de conteúdo de imagens ou vídeos são empregados técnicas e ferramentas de análise forense de imagens no intuito de fornecer a dinâmica, identificação dos agentes (autoria) ou mesmo a compatibilidade de padrões (impressões de calçados, pneumáticos, entre outros) a depender da necessidade do requisitante, bem como das possibilidades do próprio registro questionado – uma vez que a qualidade, de maneira geral, revela-se um fator crítico. Deixaremos a abordagem desta natureza de exame para um artigo próprio.
Para proceder uma análise de conteúdo de áudio realizada por profissional qualificado, no intuito de proceder a transcrição do áudio para o operador do direito, os equipamentos mínimos necessários são: placa de som e/ou captura profissional (para também digitalizar o registro se necessário), um fone de ouvido profissional e uma ferramenta de processamento de áudio.
A análise de conteúdo de áudio é realizada por meio da percepção auditiva do perito, sendo necessário identificar inicialmente os interlocutores presentes. Neste caso, os locutores podem ser identificados por nomes/alcunhas contidas no registro, como por exemplo: “João” e “Pedro”, ou mediante identificadores como: L1, L2, L3 para Locutor 1, Locutor 2 e Locutor 3. Identificadores que diferenciem gêneros como, por exemplo: M1, M2, M3 para (Fala/Voz) Masculina 1, 2 e 3 ou F1, F2 e F3 para (Fala/Voz) Feminina 1, 2 e 3 também podem ser empregados. Qualquer identificador de sua preferência pode ser utilizado, desde que isso fique claramente explicitado no laudo. Quando não for possível distinguir o autor de determinada fala, uma alternativa é o uso do identificador empregado seguido de ?, como por exemplo: L?, M? ou F?, para interlocutor não identificado, interlocutor de voz masculina não identificado e interlocutor de voz feminina não identificado respectivamente. Note que no uso de L? não há atribuição do gênero ao interlocutor.
Na sequencia, torna-se necessário a definição das convenções tipográficas. Seguem algumas bem frequentes na casuística nacional:
- Palavras ou expressões de entendimento duvidoso podem ser apresentadas entre chaves {}. Por exemplo, imagine que você ouça “faca”, mas por algum problema da qualidade do áudio não fora possível discernir categoricamente entre “faca” ou “vaca”, no entanto você tem “quase certeza” que o pronunciado seja “faca”. Neste caso em tela, o mais adequado seria consignar “faca”. É importante ressaltar que, desta forma, resta claro que toda palavra descrita sem chaves fora efetivamente constatada (sem qualquer tipo de dúvida pelo perito).
- Comentários do Perito podem vir entre parênteses () para evidenciar alguma informação contida na imagem (se presente), a presença de um evento acústico ou mesmo a mudança de entonação do locutor (ironia por exemplo). Por exemplo, M1: Eu vou te pagar (Risos). M2: Então toma isso! (Ouve-se na sequencia dois sons compatíveis com disparo de arma de fogo).
- No diálogo é comum ainda a presença de hesitações e de fala sobrepostas, neste caso pode-se utilizar os caracteres “…” para a sua consignação. Por exemplo, L1: Eu vou lá na… na… na casa da Maria.
- Palavras ou expressões que, apesar de serem exaustivamente analisadas, ainda assim restarem incompreensíveis podem ser representadas como (ininteligível) ou (trecho ininteligível). Também há profissionais que optem por utilizar (…). Eu particularmente não adoto esta última para não conflitar com a tipografia que utilizo para as hesitações ou fala sobrepostas “…” .
Enfim, as convenções tipográficas supramencionadas apesar de serem as mais utilizadas pelos profissionais que atuam nesta natureza de exame, são apresentadas a título sugestivo e assim como para a escolha dos identificadores de interlocutores, a sua preferência apresenta caráter bastante pessoal. O importante é que, apesar de qual seja a convenção tipográfica que você defina para cada uma das ocorrências, que estas fiquem claramente descritas no laudo para que o seu usuário possa compreende-las facilmente.
Por fim, lembre-se que ao trabalhar com arquivos consignar apenas o nome, codificação, datas, tamanho, entre outras características, apesar de importantes não são suficientes para individualiza-los. É imprescindível constar no seu laudo os resumos criptográficos (hashes) desses arquivos, pois é esta informação que individualiza de fato o registro perquirido.
Luiz Laborda é graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Goiás – UFG (2007), possui MBA em Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2010) e mestrado em Engenharia Elétrica – Área de concentração: Informática Forense e Segurança da Informação pela Universidade de Brasília – UNB (2016). É Perito Oficial Criminal do Estado de Mato Grosso desde 2011 e integrante do corpo técnico da Laborda Ventura e Peritos associados.